segunda-feira, junho 28, 2004

Ponta Delgada teve figuras que a marcaram. Na minha infância, que foi dividida entre Ponta Delgada, a Ribeirinha e o Nordeste, várias pessoas davam a Ponta Delgada a sua verdadeira dimensão. Recordo com saudade o Mestre João Resendes. Na sua Carrinha Volkswagen de caixa aberta carregando fardos ora de Feno ora de aparas de criptoméria para as camas dos Cavalos. O mestre João dos Cavalos que era, ao mesmo tempo, equitador, correeiro, Ferreiro ferrador, estofador, mecânico auto e calista, tinha a enorme virtude de tentar passar aos seus discípulos o conhecimento que tinha das coisas. Com ele aprendi a ferrar um cavalo, coisa que me fez muita falta, mais tarde, com o quase desaparecimento da profissão, a soldar o ferro, a cozer as minhas próprias botas e arreios, a fabricar unguentos para manutenção dos cabedais e construir um toque de caça com pasta de papel.


Ali, no velho picadeiro da Rua Margarida de Chaves éramos de tudo um pouco, éramos os tratadores e os limpadores das camas, éramos os pintores dos obstáculos e os jardineiros.


Depois, há hora devida, éramos finalmente os seus cavaleiros e discípulos. Calça justa bem esticada, botas altas, esporins e pingalim e lá íamos em fila. Os mais adiantados na frente e os iniciados mais atrás. Atento, Mestre João ia corrigindo as posições e dando as indicações para melhorarmos a nossa equitação.

Ao final da aula, se sobrava tempo, havia lugar a uma lição para os mais avançados, onde o galope à mão e um ou outro obstáculo nos deliciavam.

Uma vez por ano havia festa no nº 34 da Rua Margarida de Chaves. Era no inicio do Ano escolar. Levávamos o verão a preparar tudo para aquele festival hípico. Em Junho Mestre João distribuia os Cavalos, pelos que não tinham cavalo próprio, e o verão era todo a treinar as habilidades para o volteio e os saltos de obstáculos.

O autor em pé em cima da Rita em exercicios de volteio

Naqueles primeiros domingos de Setembro, a marcha Semper Fidelis de Jonh Philip Sousa ecoava pelas redondezas emanada dos roucos altifalantes que o Eng. Aires de Aguiar havia trazido de Paris há anos.

Um nó tomava conta das nossas gargantas e um frio assustador circulava por todo o estômago.

Cavalo bem escovado e arreios luzindo de sebo e graxa. Botas “lustradas” como quem vai para a tropa, calça de Lycra bem justa, um blazer e uma gravata e um toque de caça metido na cabeça. Era o melhor dia do ano aquele dia de festival hípico que, ainda hoje, passados mais de vinte anos, quando nos encontramos uns com os outros é sempre tema de conversa, aquela queda, aquele salto incrível, as negas sistemáticas do Mulato no muro e os saltos incríveis que, mesmo velho, dava na barra de spá ou no oxer.

Ponta Delgada tinha isso tudo e tinha a magia de saber tratar bem essas figuras, veja-se a quantidade enorme de público que afluía a estes eventos.



O autor montando Gafanhoto, na bancada, de roda do campo e no muro muita gente a assistir ao espectáculo. Era uma grande festa.

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