quinta-feira, dezembro 16, 2004

O Engenheiro e o mestre José Branco

Não sei se ainda é vivo ou se já partiu desse mundo. Se anda por ai estará, certamente, em vinha-d’alhos. O Engenheiro é um daqueles cromos da Ponta Delgada do meu tempo de rapazola. Um dia encontrei-o numa enfermaria do antigo Hospital de Ponta Delgada em estado lastimável. Disse-me a enfermeira chefe que não passaria daquela noite.
Passados dois dias voltei a encontrá-lo, já não naquela enfermaria mas sentado à porta da tasca do Aristides, ali ao cimo da Rua do Pedro Homem. O Aristides vendia os melhores bolos de Arroz da Cidade, não que fossem muito diferentes dos outros, mas estavam sempre muito duros, com dias de mostrador. Eu gosto de bolos de arroz com pelo menos três dias de cura.
Era nessa zona que melhor se movimentava o Engenheiro, entre a tasca do Aristides e a do Mestre José Branco ali mesmo em frente à casa que pertenceu ao Eng. José Maria Alvares Cabral na Rua Guilherme Poças Falcão. Nesse dia trazia uma daqueles bebedeiras monumentais, arengava sozinho, como de costume. No seu íntimo resolvia todos os problemas da Humanidade, uma humanidade diferente daquela que conhecemos e que não o compreendia.
O Mestre José Branco e a sua motorizada cor de laranja, uma Sachs V5 com um semi-reboque construído artesanalmente, é outro daqueles comerciantes com muitas histórias para contar.
Certo dia, visto a braços com problemas judiciais, foi falar com o advogado Carlos Melo Bento que conhecia desde a infância, também ele e os irmãos paravam por ali, no trajecto entre a Rua dos Manaias onde viviam e o Liceu onde estudaram. O Dr. Melo Bento deu-lho os avisados conselhos e no final o mestre José perguntou:
-Quanto é que eu devo Sr. Dr. - Disse o comerciante à espera de um , não é nada mestre José.
Mas não, não foi isso que aconteceu.
- Cinco contos - retorquiu o afamado jurista.
-Eh! "Sô doutô vá roubá pó caminhe"- respondeu prontamente o tasqueiro
- Para quê? Estou tão bem aqui sentado.

Já morreu o Mestre José Branco, a tasca do Aristides já não vende bolos de arroz e meios copos de vinho de cheiro e o Engenheiro já não anda por ai entre as ruas do Pedro Homem e do Frias a resolver os problemas da Humanidade.

terça-feira, dezembro 14, 2004

Novo visual

Este post serve para dizer que este novo visual do Ponta Delgada é da autoria do meu querido amigo Pedro Arruda. A esta nova aparência juntar-se-á um reposicionamento da linha editorial do Blogue. Lá para o inicio do ano começo em força.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Um "cromo" de Ponta Delgada

Numa tentativa de continuar a relembrar várias pessoas que deram e dão a Ponta Delgada parte de si e que fizeram dela aquilo que ela hoje é no panorama político e social dos Açores e do Mundo, hoje vou lembrar o Alceu Carneiro.

Pois é eu poderia escrever sobre Micaelenses e Ponta Delgadenses ilustres., culturalmente superiores, politicamente imperfeitos. Podia recordar, Alice Moderno, Ruy Galvão de Carvalho, José de Almeida Pavão, Armando Cortes Rodrigues, Armando Cândido de Medeiros. Podia lembrar que ainda estão vivos e para as curvas, Fernando Aires, Cristóvão de Aguiar, Mário Mesquita e tantos outros. Contudo, desses, outros com a eloquência devida e com as capacidades intelectuais necessárias, falarão e escreverão com muito mais conhecimento de causa e propriedade do que eu alguma vez seria capaz de fazer.

Por isso, falo do Alceu. O meu amigo Alceu Carneiro, quarenta anos mais velho do que eu

Um solteirão malcriado quanto baste, mas simpático que vendia tabacos revistas e brinquedos. Também vendia sonhos e quimeras e desassombros. Vendia piadas obscenas sobre mulheres e não perdia a oportunidade de vir à rua dar uma espreitada quando sentia “passos de senhora”.

O Alceu era um grande admirador da Dama de Ferro e de Bush Pai, tinha ao lado de uma bandeira da FLA (Frente de Libertação dos Açores) uma nota de 100 dólares e um copo de moedas do Trump Casino. Mais ao lado, mas com o mesmo destaque três recortes de jornais com as caricaturas de Margaret Thatcher George Bush e Anibal Cavaco Silva.

Passar na Rua António José de Almeida e não entrar na Tabacaria do Alceu para cheirar por instantes aquele odor da Captain Black, o seu tabaco preferido, era quase impossível. Ainda hoje quando desço a rua alcatifada pela nossa autarquia para fazer lembrar o Natal, embora o faça com cada vez menos motivações, olho a montra da sociedade de mediação imobiliária que lhe ocupou o lugar. Cumprimento o Alberto como se estivesse a cumprimentar o Alceu, entro na Pastelaria da frente e peço um café com o mesmo ar de gozo com que era costume perguntar ao Sr. Ferreira da sapataria Atlas se haviam chegado novidades. O Sr. Ferreira vendia os melhores sapatos de Ponta Delgada.

Quando passava uma mulher bonita ou bem feita, gritava em histeria "por favor senhor guarda prenda essa senhora, não há direito de ser assim tão boa". O Alceu Cabido Carneiro, era um daqueles "cromos" que Ponta Delgada não pode esquecer.